Entrevista: Silvio Santos muito além de um mito
A Tribuna (ES)
9 de setembro de 2018
Silvio Santos muito além de um mito
Thiago Sobrinho
A poucos meses de completar 88 anos de idade, o apresentador e empresário Silvio Santos ganha mais um livro sobre a sua vida. Trata-se de “Topa Tudo por Dinheiro”, escrito pelo jornalista e crítico Mauricio Stycer.
No trabalho, lançado na semana passada, Stycer procura jogar luz sobre aspectos pouco abordados em obras anteriores. “Busco mostrar um Silvio além do mito. Tento desfazer equívocos, além de elucidar aspectos que foram negligenciados pelos biógrafos do empresário, justifica o autor em entrevista ao AT2.
Já existem seis biografias que se debruçam sobre a vida de Silvio Santos. Por que mais um livro sobre ele?
Essa é uma questão essencial e é ótimo que você a tenha feito. Silvio é objeto de curiosidade pública desde os anos 1960. A primeira biografia, uma HQ, é de 1969. A biografia mais influente, publicada no ano 2000, foi escrita por seu assessor de imprensa. Outras, embora bem pesquisadas, adotam o ponto de vista da celebração do “mito”. Por tudo isso, enxergo que, apesar da abundância, havia um vazio a ser preenchido. É o que tento fazer, não sei se consegui, levantando histórias que mereciam ser contadas de forma mais objetiva e questões que deveriam ser discutidas sob um ponto de vista crítico.
Qual olhar sobre o dono do SBT o leitor poderá encontrar em seu livro?
É um olhar menos reverencial sobre um personagem pelo qual tenho respeito e fascínio. Busco mostrar um Silvio além do mito. Tento desfazer equívocos, além de elucidar aspectos que, como disse acima, foram negligenciados pelos biógrafos do empresário.
No início de “Topa tudo por dinheiro”, você escreve que busca compreender algumas características da trajetória de Silvio. Dá pra explicar?
Silvio são vários. Tem o Silvio comerciante, o Silvio empresário, o Silvio comunicador, o Silvio político, o Silvio diretor de programação do SBT, entre muitos outros. É um tipo fascinante e complexo. Procurei analisar estas características separadamente de forma a tentar entender melhor a figura. Fora o Silvio pessoa privada, que evitei investigar – trato apenas dos fatos públicos, conhecidos, sobre a sua vida pessoal.
Aliás, por que batizou o livro com o nome de um dos programas mais famosos que Silvio já apresentou? Qual a ligação?
Silvio repete várias vezes, ao longo de toda a sua trajetória, que é, antes de tudo, um comerciante. Foi assim que ele começou na TV, alugando horários para promover o Baú da Felicidade, e é assim, de certa forma, que faz até hoje no seu próprio canal. Essa consciência que ele próprio tem do seu trabalho é um traço importante. Daí veio a sugestão do título, que nem foi minha, mas de uma das primeiras pessoas a quem eu mostrei o original.
Ao contrário de outros empresários de comunicação, Silvio foi um vendedor ambulante que enxergou na televisão uma maneira de vender seus produtos. Qual foi o seu mérito para conseguir uma concessão?
Esta é uma das maiores originalidades do Silvio, que eu realço no livro. Antes dele, apenas empresários que já atuavam no ramo da comunicação ou políticos e seus prepostos conseguiram ser donos de canais de televisão. Silvio é o primeiro comerciante que, por méritos próprios, consegue obter a concessão de um canal. Ele mostra aos militares que, alugando horários na Globo e na Tupi, montou um negócio autossustentável, que gerava empregos e faturamento sem depender de ninguém. Não é pouca coisa.
A “voz” do apresentador é bastante ouvida em seu livro. Você resgata entrevistas, menções e textos que ele próprio escreveu. Como foi esse processo? Quanto tempo durou essa pesquisa?
Sou jornalista há 33 anos. Nos últimos dez, me dedico exclusivamente a escrever sobre televisão. Silvio está no meu radar há muito tempo, mas o ângulo que encontrei para escrever a respeito dele só ficou claro para mim há cerca de um ano. A pesquisa, propriamente, me tomou cerca de seis meses. E levei outros três meses para escrever. Mas, mesmo depois de pronto, continuei acrescentando informações, já que Silvio não para quieto. O livro inclui, até uma frase dele dita em julho de 2018.
No último capítulo do seu livro você entrega ao leitor uma faceta pouco conhecida de Silvio: o diretor de programação do SBT. Quais foram os seus méritos ao longo dessas três décadas? E os equívocos?
São vários os episódios que mostram a sagacidade do Silvio. Se eu der muitos spoilers do livro, ninguém vai ler. Mas adianto um, que considero genial: a decisão de anunciar ao espectador que só iria estrear uma série americana quando terminasse o capítulo de uma novela muito popular da Globo. Por outro lado, mostro que o voluntarismo de Silvio também causa confusões e problemas. A saída de Boris Casoy do SBT é um exemplo disso.
É curioso pensar que Silvio sempre se definiu como um animador de auditório e não apresentador de televisão. Qual a diferença ele tenta marcar com isso?
Acho que, por um misto de modéstia e honestidade, ele sempre quis enfatizar que o seu papel na TV era o de criar o melhor ambiente possível para promover e vender os produtos das suas empresas. Mas é óbvio que ele sempre fez muito mais que isso.
Neste ano, o apresentador completou 60 anos na frente das câmeras. Para você, a que se deve a longevidade de Silvio na TV?
Deve-se, na minha opinião, ao seu talento único como comunicador. Mostro no livro como, desde cedo, Silvio encontrou uma forma muito especial de dialogar com as pessoas mais simples e humildes. É inimitável neste talento. E, merecidamente, muito querido por isso.
Numa época que a expressão “narrativa” está na moda, o seu livro mostra que Silvio sempre teve controle sobre a sua narrativa dos fatos. Um exemplo é ele ter escondido por muito anos que foi casado e teve duas filhas. Outro é sobre ele ter mentido sobre a sua idade.
A mídia tem um papel crucial nisso. Por preguiça de apurar direito ou omissão consciente. Mostro no livro que ele construiu essa “narrativa” com a conivência dos primeiros jornalistas que se interessaram pela sua trajetória. Por exemplo, os autores das duas primeiras biografias sabiam que ele era casado e omitiram esse fato nos livros.
Todo esse mistério em torno da vida pessoal foi mais positivo ou negativo para a carreira do apresentador? O que o levou a fazer isso?
Silvio dizia, nos anos 1960 e 70, que era preciso criar mistério sobre a vida pessoal para manter as fãs curiosas a respeito do ídolo. Não tenho dúvidas que essa decisão de esconder o casamento e as duas filhas teve impacto negativo na opinião pública. E não é à toa que ele se arrependeu profundamente. “Uma das coisas imperdoáveis que fiz”, ele reconheceu, posteriormente.
Um dos fatos que você analisa é o flerte de Silvio com a política. Um exemplo é a sua tentativa de se tornar presidente nas eleições de 1989. Qual faceta Silvio mostrou ao se aproximar da vida política? Por que não deu certo?
Considero esta tentativa de entrar para a política, especialmente a sua candidatura à Presidência, em 1989, como um dos maiores deslizes do Silvio em sua trajetória. Foi irresponsável e egoísta. Imagina! Faltava menos de 30 dias para a primeira eleição presidencial em 29 anos quando ele decidiu entrar como candidato. Não tinha como dar certo.
Numa época de Donald Trump e outros personagens do tipo, é correto dizer que Silvio antecipou em pelo menos 30 anos esse fenômeno politico?
De certa forma, sim. Assim como Trump, mas 30 anos antes, Silvio deixou que a vaidade o guiasse e ambicionou ter o Brasil inteiro como audiência. Deu sinais de que fez isso movido por uma inspiração mística ou divina. E, por instantes, não pareceu estar totalmente lúcido.
O carisma de Silvio é inegável. Irreverente e exímio comunicador, ele ganhou o coração dos brasileiros. No entanto, isso não o impede de se envolver em algumas polêmicas. Como, por exemplo, acusações de ser machista e homofóbico. Como você analisa isso?
Silvio vai fazer 88 anos em dezembro. Está na TV há mais de 50. É natural que reproduza piadas e preconceitos comuns no passado, mas hoje considerados inaceitáveis. Entendo a repulsa que esse comportamento causa em muitos fãs, mas acho difícil que Silvio altere a sua atitude a esta altura do campeonato.
Em seu livro você relembra algumas oportunidades ao longo dos anos em que Silvio afirmou que se aposentaria. Em junho último, ele bateu na mesma tecla: “vou me aposentar e vou viver da minha fortuna”, disse. Por que volta e meia ele retorna a esse discurso?
Acho que ele muitas vezes usou a “carta da aposentadoria” como ferramenta motivacional, seja para candidatos a sucedê-lo dentro da emissora (Gugu, por exemplo), seja para preparar o terreno para mudanças internas. Mais recentemente, voltou a recorrer a este expediente para promover as filhas.
Em oportunidades anteriores, ele chegou a ventilar alguns “sucessores”, como o Gugu Liberato ou Celso Portiolli. Há alguém que possa substituir a figura de Silvio Santos?
Claro que não! É inimitável, insubstituível mesmo.
Por fim, você, enquanto crítico, consegue mensurar o impacto de Silvio Santos na televisão que assistimos hoje em dia? O que devemos a ele?
Enquanto animador, acho que Silvio ajudou, como poucos, a aproximar o público da televisão. Mas não enxergo este talento como um legado. É uma característica pessoal e, como disse, inimitável. E como empresário de comunicação, acho que Silvio poderia ter feito mais. O SBT sempre investiu muito em programação popular e muito pouco em jornalismo. Acho isso um pecado.