Silvio Luiz, um dos grandes narradores da TV brasileira
Em fevereiro de 2016, publiquei no UOL uma crítica ácida ao estilo do narrador André Henning. “O narrador do Esporte Interativo parece trabalhar sentado em uma cadeira elétrica. Ele grita em toda e qualquer situação”, escrevi. Eu sabia que estava entrando em campo minado, mas fui em frente.
O texto gerou muitos protestos, do próprio Henning e de seu grande fã-clube. Mas também recebi apoios e elogios. Vários profissionais do ramo me mandaram mensagens privadas, concordando com a minha observação. Que eu lembre, um único narrador veio publicamente em minha defesa. Em sua página no Facebook, Silvio Luiz reproduziu parte do texto e escreveu sobre mim: “Esse sabe das coisas”.
Lembrei disso hoje, após tomar conhecimento da morte de Silvio. Foi um dos pioneiros da TV brasileira. Fez de tudo, até foi ator em novela. Foi repórter, apresentador de programas, mas se firmou como narrador. Com um estilo próprio, bem-humorado, criou dezenas de bordões e deixou uma marca. Tinha 89 anos.
Numa entrevista a Bruno Freitas e Vanderlei Lima, em 2017, ele reviu a carreira em detalhes. Vale a leitura (aqui). Sua trajetória também está bem narrada na biografia “Olho no Lance”, de Wagner William.
Abaixo, o texto que escrevi sobre os narradores esportivos.
Dos grandes narradores que admiro, nenhum grita
Aprendi muito sobre futebol ouvindo jogos narrados pelo rádio. Nos anos 70, os principais narradores no Rio eram Jorge Curi (1920-1985) e Waldir Amaral (1926-1997). O primeiro era dono do grito de gol mais potente e longo que já ouvi (ainda mais se fosse gol do Flamengo). Mas só gritava nessa hora. O segundo era uma espécie de narrador-cronista, descrevia uma partida como se estivesse escrevendo um texto (o autor do gol era um “indivíduo competente”).
Na televisão, o primeiro narrador a me marcar foi Geraldo José de Almeida (1919-1976). Vibrava a cada jogada bonita: “Linda! Linda! Linda”. E dividia com o espectador as suas surpresas: “Que que é isso, minha gente?”
É verdade que o futebol mais cadenciado nos anos 70 permitia aos narradores respirar um pouco mais, o que deixava as narrações mais elegantes, talvez. Isso mudou à medida em que o futebol foi ficando mais veloz, e os narradores obrigados a falar mais palavras por minutos.
Ainda assim, grandes narradores que vieram depois, como José Carlos Araujo e Osmar Santos, por exemplo, acrescentaram velocidade à narração, mas raramente recorreram à gritaria. Outros, como Januário de Oliveira (“Ta lá um corpo estendido no chão”) e Silvio Luiz (“Pelas barbas do profeta”), introduziram humor e picardia aos jogos mais aborrecidos.
Isso para não falar de Galvão Bueno, que se intitula um “vendedor de emoções”. O principal narrador da Globo há quase três décadas é capaz de transformar o jogo mais chato do mundo numa transmissão divertida. Sem gritar.
Faço este longo preâmbulo para falar de Andre Henning (foto). Só fui apresentado às suas narrações em 2016, quando o Esporte Interativo passou a fazer parte da grade da NET. Estou dez anos atrasado e peço desculpas pela minha falha.
O narrador do EI parece trabalhar sentado em uma cadeira elétrica. Ele grita em toda e qualquer situação. “Cartão amarelo!!!!!!!!!!!! David Luiz!!!!”, explode Henning. “Lateral para o Chelsea!!!!!!!!!!!!!!”, comemora o narrador. E assim vai, o jogo inteiro, gritando emocionado ao descrever enfiadas de bola mal-sucedidas, chutes para fora e faltas, violentas ou não.
Em entrevista ao UOL Esporte, publicada horas antes do primeiro jogo das oitavas-de-final da Liga dos Campeões da Europa, Henning afirmou: “Posso garantir que aqui não tem ‘forçação de barra’ na dose da emoção. A gente narra, transmite aquilo que realmente estamos sentindo”. Não é o que se ouve durante as suas transmissões.
Divido os narradores em dois times, os talentosos e os que gritam. Neste segundo time, me sinto obrigado a dizer que não conhecia ninguém com a força de André Henning.